sexta-feira, 29 de junho de 2012

Carta aos Fiéis II


Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

1 A todos os cristãos religiosos, clérigos e leigos, homens e mulheres, a todos os que moram no mundo inteiro, Frei Francisco, seu servo e súdito: submissão com reverência, paz verdadeira do céu e sincera caridade no Senhor. 
2 Como sou servo de todos, a todos estou obrigado a servir e a prestar-lhes em serviço as odorosas palavras de meu Senhor. 
3 Por isso, considerando na mente, que, em pessoa, pela enfermidade e debilidade do meu corpo, não poderia visitar a cada um, me propus, por meio desta carta e de mensageiros, anunciar-lhes as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Palavra do Pai, e as palavras do Espírito Santo, que são espírito e vida (Jo 6,64). 
4 Esta Palavra do Pai, tão digna, tão santa e gloriosa, foi anunciada pelo altíssimo Pai lá do céu, por meio de seu santo anjo Gabriel, no útero da santa e gloriosa Virgem Maria, de cujo útero recebeu a verdadeira carne de nossa humanidade e fragilidade. 
5 O qual, sendo rico (2 Cor 8,9) sobre todas as coisas, quis ele mesmo escolher a pobreza no mundo com a beatíssima Virgem, sua mãe. 
6 E perto da paixão, celebrou a Páscoa com seus discípulos e tomando o pão, deu graças e o abençoou e partiu, dizendo: Tomai e comei, este é meu corpo (Mt 26,26). 
7 E tomando o cálice disse: Este é meu sangue do Novo Testamento, que por vós e por muitos será derramado para remissão dos pecados (Mt 26,27). 
8 Depois orou ao Pai dizendo: Pai, se for possível, afaste-se de mim este cálice. 
9 E seu suor tornou-se como gotas de sangue que caíam na terra (Lc 22,44). 
10 Mas colocou sua vontade na vontade do Pai, dizendo: Pai, faça-se tua vontade (Mt 26,42); não como eu quero, mas como tu (Mt 26,39). 
11 A vontade desse Pai foi que seu Filho, bendito e glorioso, que nos deu e nasceu por nós, se oferecesse por seu próprio sangue, como sacrifício e hóstia na ara da cruz; 
12 não para si, por quem foram feitas todas as coisas (cfr. Jo 1,3), mas por nossos pecados, 
13 deixando-nos exemplo, para que sigamos suas pegadas (cfr. 1Pe 2,21). 
14 E quer que todos nos salvemos por ele e o recebamos com coração puro e com nosso corpo casto. 
15 Mas são poucos os que querem recebê-lo e ser salvos por ele, embora seu jugo seja suave e sua carga leve (Mt 11,30). 
16 Os que não querem provar como é suave o Senhor (cfr. Ps 33,9) e amam as trevas mais do que a luz (Jo 3,19), não querendo cumprir os mandamentos de Deus, são malditos; 
17 sobre eles é dito pelo profeta: Malditos os que se afastam de teus mandamentos (Ps 118,21). 
18 Mas, oh! como são bem-aventurados e benditos aqueles que amam a Deus e fazem como diz o próprio Senhor no Evangelho: Amarás ao Senhor teu Deus com todo o coração e com toda a mente e a teu próximo como a ti mesmo (Mt 22,37,39). 
19 Amemos, pois, a Deus e adoremo-lo com coração puro e mente pura, porque buscando isto sobre todas as coisas, disse: Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade (Jo 4,23). 
20 Pois todos os que o adoram, é preciso que o adorem no Espírito da verdade (cfr. Jo 4,24). 
21 E digamos-lhe louvores e orações dia e noite (Sl 31,4) dizendo: Pai nosso, que estás nos céus (Mt 6,9), porque é preciso que oremos sempre e não desfaleçamos (Lc 18,1). 
22 Devemos certamente confessar ao sacerdote todos nossos pecados; e recebamos dele o corpo e o sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. 
23 Quem não come sua carne e não bebe seu sangue (cfr. Jo 6,55, 57), não pode entrar no reino de Deus (Jo 3,5). 
24 Mas coma e beba dignamente, porque quem recebe indignamente come e bebe sua própria condenação, não distinguindo o corpo do Senhor (1Cor 11,29), isto é, não o discerne. 
25 Façamos, além disso, frutos dignos de penitência (Lc 3,8). 
26 E amemos o próximo como a nós mesmos (cfr. Mt 22,39). 
27 E se alguém não quiser amá-lo como a si mesmo, pelo menos não lhes cause mal, faça o bem. 
28 Mas os que receberam o poder de julgar os outros, exerçam o julgamento com misericórdia, como eles mesmos querem obter misericórdia do Senhor. 
29 Pois haverá juízo sem misericórdia para aqueles que não fizerem misericórdia (Tg 2,13). 
30 Portanto, tenhamos caridade e humildade, e façamos esmolas, porque elas lavam a alma das manchas dos pecados (cfr. Tb 4,11; 12,9). 
31 Pois os homens perdem tudo que deixam neste século, mas levam consigo o preço da caridade e as esmolas que fizeram, pelas quais obterão do Senhor prêmio e digna remuneração. 
32 Também devemos jejuar e abster-nos dos vícios e pecados (cfr. Sir 3, 32) e do excesso de comidas e bebida, e ser católicos. 
33 Também devemos visitar as igrejas freqüentemente e venerar os clérigos e reverenciá-los, não só por eles, se forem pecadores, mas pelo ofício e administração do santíssimo corpo e sangue de Cristo, que sacrificam no altar e recebem e administram aos outros. 
34 E saibamos firmemente todos que ninguém pode salvar-se, senão pelas santas palavras e o sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, que os clérigos pronunciam anunciam e administram. 
35 E só eles devem administrar e não outros. 
36 E especialmente os religiosos, que renunciaram ao século, estão obrigados a fazer mais e maiores coisas, mas sem omitir estas (cfr. Lc 11,42). 
37 Devemos ter ódio a nossos corpos com os vícios e pecados, porque diz o Senhor no Evangelho: Todos os males, vícios e pecados saem do coração (Mt 15,18 s.; Mc 7,23). 
38 Devemos amar a nossos inimigos e fazer o bem aos que nos têm ódio (cfr. Mt 5,44; Lc 6,27). 
39 Devemos observar os preceitos e conselhos de nosso Senhor Jesus Cristo. 
40 Devemos também negar a nós mesmos (cfr. Mt 16,24) e por nossos corpos sob o jugo da servidão e da santa obediência, como cada um prometeu ao Senhor. 
41 E ninguém tenha que obedecer por obediência a alguém naquilo em que se comete delito ou pecado. 
42 Mas aquele a quem foi encomendada a obediência e que é tido como maior, seja como menor (Lc 22, 26) e servo dos outros irmãos. 
43 E para com cada um de seus irmãos faça e tenha a misericórdia, que quisera que a ele se fizesse, se estivesse em caso semelhante. 
44 E não se irrite contra o irmão pelo delito do irmão, mas benignamente o admoeste e suporte com toda paciência e humildade. 
45 Não devemos ser sábios e prudentes segundo a carne (1Cor 1,26), mas antes devemos ser simples, humildes e puros. 
46 E tenhamos nossos corpos em opróbrio e desprezo, porque todos, por nossa culpa, somos miseráveis e podres, hediondos e vermes, como diz o Senhor pelo profeta: Eu sou um verme e não um homem, opróbrio dos homens e desprezo do povo (Sl 21,7). 
47 Nunca devemos desejar estar acima dos outros, antes devemos ser servos e submissos a toda humana criatura por Deus (1 Pd 2,13). 
48 E todos, eles e elas, enquanto isso fizerem e perseverarem até o fim, descansará sobre eles o Espírito do Senhor (Is 11,2) e fará neles habitação e morada (cfr. Jo 14,23). 
49 E serão filhos do Pai celeste (cfr. Mt 5,45), cujas obras fazem. 
50 E são esposos, irmãos e mães de nosso Senhor Jesus Cristo (cfr. Mt 12,50). 
51. Somos esposos, quando pelo Espírito Santo une-se a alma fiel a Jesus Cristo. 
52 Somos certamente irmãos, quando fazemos a vontade de seu Pai, que está no céu (cfr. Mt 12,50); 
53 mães, quando o levamos no coração e em nosso corpo (cfr. 1Cor 6,20) pelo amor e a consciência pura e sincera; o damos à luz pela santa operação, que deve iluminar os outros com o exemplo (cfr. Mt 5, 16). 
54 Oh! como é glorioso e santo e grande, ter nos céus um Pai! 
55 Oh! como é santo, ter um esposo consolador, bonito e admirável! 
56 Oh! como é santo e como é querido ter tal irmão e tal filho, agradável, humilde, pacífico, doce, amável e mais desejável do que todas as coisas, que deu a vida por suas ovelhas (cfr. Jo 10,15) e orou ao Pai por nós dizendo: Pai santo, guarda em teu nome, os que me deste (Jo 17,11). 
57 Pai, todos os que me deste no mundo, eram teus e os deste a mim (Jo 17,6). 
58 E as palavras que me deste, eu lhes dei; e eles as receberam e conheceram verdadeiramente que saí de ti e creram que tu me enviaste (Jo 17,8); rogo por eles e não pelo mundo (cfr. Jo 17,9); abençoa-os e santifica-os (Jo 17,17). 
59 E por eles santifico a mim mesmo, para que sejam santificados na (Jo 17,19) unidade, como também nós (Jo 17,11) o somos. 
60 E quero, Pai, que onde eu estou também eles estejam comigo, para que vejam minha glória (Jo 17, 24) em teu reino (Mt 20,21). 
61 Mas àquele que por nós suportou tantas coisas, que nos trouxe e trará tantos bens no futuro, toda criatura que há nos céus, na terra, no mar e nos abismos retribua louvor, glória, honra e bênção (cfr. Apoc 5,13), 
62 porque ele é força e fortaleza nossa, o único bom, o único altíssimo, o único onipotente, admirável, glorioso, o único santo, louvável e bendito pelos infinitos séculos dos séculos. Amém. 
63 Mas todos aqueles que não estão em penitência e não recebem o corpo e o sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, 
64 e operam vícios e pecados, e que andam atrás da má concupiscência e dos maus desejos, e não observam o que prometeram, 
65 e servem corporalmente o mundo pelos cuidados e preocupações deste século e pelos cuidados desta vida, 
66 enganados pelo diabo, de quem são filhos e cujas obras fazem (cfr. Jo 8,41), são cegos, porque não vêm a luz verdadeira, nosso Senhor Jesus Cristo. 
67 Não têm a sabedoria espiritual, porque não têm o Filho de Deus em si, que é a verdadeira sabedoria do Pai, e deles se diz: Sua sabedoria foi devorada (Sl 106, 27). 
68 Vêem, conhecem, sabem e fazem o mal, e perdem as almas conscientemente. 
69 Vêde, cegos, enganados por nossos inimigos, a saber, pela carne, pelo mundo e pelo diabo, que para o corpo é doce fazer o pecado e amargo servir a Deus, porque todos os males, vícios e pecados do coração dos homens saem e procedem (cfr. Mc 7, 21, 23), como diz o Senhor no Evangelho. 
70 E nada tendes neste século nem no futuro. 
71 Por longo tempo calculais possuir as vaidades deste século. mas estais enganados, porque virá o dia e a hora em que não pensais, e não sabeis e ignorais. 
72 Adoece o corpo, aproxima-se a morte, vêm os parentes e amigos dizendo: Dispõe de teus bens. 
73 Eis sua mulher, parentes e amigos fingindo chorar. 
74 Olha e os vê chorando; é levado por um mau passo; pensa consigo mesmo, e diz: Ponho a alma, o corpo e todas as minhas coisas em vossas mãos. 
75 Verdadeiramente amaldiçoado é esse homem, que confia e expõe alma, corpo e todas as suas coisas em tais mãos; 
76 por isso, diz o Senhor pelo profeta: Maldito o homem que confia no homem (Jr 17,15). 
77 E logo fazem vir o sacerdote; diz-lhe o sacerdote: “Queres receber a penitência de todos teus pecados?”. 
78 Responde: “Quero”. “Queres satisfazer como podes com teus bens, pelos pecados e por essas coisas em que defraudaste e enganaste as pessoas?”. 
79 Responde: “Não”. E o sacerdote diz: “Por que não?”. 
80 “Porque distribuí tudo nas mãos dos parentes e amigos”. 
81 E começa a perder a fala e assim morre aquele miserável. 
82 Mas saibam todos que, onde quer e como quer que morra o homem em pecado mortal sem satisfação, se podia satisfazer e não satisfez, o diabo arrebata sua alma de seu corpo, com tanta angústia e tribulação, como ninguém pode saber, a não ser quem o sofre. 
83 E todos os talentos e poder e ciência, que pensava ter (cfr. Lc 8,18) ser-lhe-ão tirados (Mc 4,25). 
84 E deixa-o para os parentes e amigos, e eles tomarão e dividirão sua riqueza e dirão depois: “Maldita seja sua alma, porque podia dar-nos e conseguir mais do que conseguiu,”. 
85 Os vermes comem o corpo; e assim perde corpo e alma neste breve século e irá para o inferno, onde será atormentado sem fim. 
86 Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém. 
87 Eu, frei Francisco, vosso menor servo, vos rogo e conjuro, na caridade que é Deus (cfr. 1 Jo 4,16), e com a vontade de beijar vossos pés, que deveis receber e pôr em prática e observar estas e as outras palavras de nosso Senhor Jesus Cristo com humildade e caridade. 
88 E todos aqueles e aquelas que benignamente as receberem, entenderem e enviarem a outros para exemplo, e se nelas perseverarem até o fim (Mt 24,13), bendiga-os o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Amém.

Escritos de São Francisco - Fontes Franciscanas

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